Trás-os-Montes, guiada por Saramago (Parte II)
Às vezes começa-se por o que está mais longe.
Embora se aviste Bragança, segue-se até Rio de Onor, passando por Gimonde, Baçal, Aveleda, Varges, pequenas aldeias, que são uma introdução para aquilo que nos espera mais adiante.
Após percorrer alguns quilómetros do Parque Natural de Montesinho, eis que se chega a uma aldeia, que a julgar pelo aspeto, parece parada no tempo. Mas desengane-se quem a visita, se pensa que é por esse motivo que é menos merecedora de atenção.
Eis Rio de Onor. Dobrou-se uma curva, aparece entre as árvores um luzeiro de água, ouve-se um restolhar líquido sobre as fragas, e depois há uma ponte de pedra.
Um grupo de pessoas trabalha em conjunto. Observam-se as casas que estão à beira do rio, e apesar da pedra escura utilizada para as construções, alguns detalhes coloridos, como um baloiço, as flores, dão uma leveza ao local inesperada. Percorre-se a aldeia a pé, atravessa-se a ponte, admirando a fachada da pequena Igreja Matriz, retorna-se por outra ponte mais acima, com muita calma, que é o que o local pede.
Às portas de Bragança, começa a chover. (...) e o viajante tem de refugiar-se no Museu do Abade de Baçal.
Felizmente, nem sinais de chuva.
Ao chegar a Bragança, o percurso faz-se do ponto mais elevado: do castelo, a Igreja de Santa Maria, o Domus Municipalis e o pelourinho. Desce-se, passando pelas portas da vila, chega-se à Igreja de S. Vicente e por trás, então sim, o Museu do Abade de Baçal. Vale a pena a visita pela coleção de escultura e pintura, dispostas de um modo simples e apelativo.
Entre Vinhais e Rebordelo a chuva foi constante. (...) E quando o viajante se aproxima de Chaves já é muito maior o espaço de céu limpo (...) Aliás, bem está que assim seja: a veiga de Chaves não merecia outra coisa.
De Bragança para Vinhais, retoma-se a estrada pelo Parque Natural de Montesinho e são os vales que dominam a paisagem. Vinhais é um óptimo ponto de paragem para se observar a sucessão de relevos, até Chaves. Na parte mais antiga, destaca-se o castelo, com a sua entrada em arco, o pelourinho e o adro da Igreja Matriz, muito próximo a Igreja de S. Facundo de Vinhais.
Não havendo possibilidade de se fazer prova dos enchidos, segue-se caminho até Chaves.
E aqui sim, neste percurso, perdemo-nos. Não literalmente, mas no cenário que se apresenta diante de nós, são vales e serras, com um fundo de céu, que podia ser azul, mas é rosa.
A cidade é maneirinha , quer dizer, pequena na proporção, de bom tamanho para ser bom lugar de viver.
E o que dizer de Chaves? As casinhas arrumadas prolongam-se ao longo da avenida principal, desviando à direita, chega-se ao largo onde está localizada a Igreja de Santa Maria Maior, da Misericórdia, o Museu Aquae Flaviae, a Câmara Municipal e a torre do castelo. Retomando a via principal, chega-se à Ponte de Trajano, com os seus arcos, sobre o rio Tâmega.
É de facto, uma cidade "maneirinha", que se apresenta organizada e limpa, a que dá vontade de voltar.
Agora é preciso escolher. De Chaves vai-se a todo o lado (...) tanto assim que o viajante se enganou no caminho e meteu pela estrada que segue para Vila Real, por Vila Pouca de Aguiar.
Embora o viajante prossiga por várias outras terras, a direção tomada é para sul, para Vila Real.
Em Vila Real o movimento anuncia que estamos prestes a sair da tranquilidade de Trás-os-Montes. No entanto, vale a pena passear pelas suas ruas e seguir em direção à Avenida Carvalho Araujo. Dali, visitar a antiga Igreja de S. Domingos e admirar a fachada de uma das mais antigas casas, de Diogo Cão.
Estando em Vila Real impõe-se uma visita: ao belíssimo Palácio Mateus, com os seus jardins e o seu interior riquíssimo, que guarda objetos de outros tempos, pintura, mobiliário, livros.
O primeiro será Mateus, o solar do morgado. Antes de entrar, deve-se passear neste jardim, sem nenhuma pressa. Por muitos e valiosos que sejam os tesouros dentro, soberbos seríamos se desprezássemos os de fora, estas árvores que do espetro solar só descuidaram o azul, deixam-no para uso do céu (...), de repente o viajante cuida ter caído dentro de um caleidoscópio , Viajante no País das Maravilhas.
A viagem prossegue, no sentido do Peso da Régua, mas a paisagem começa já a modificar-se, moldada novamente pelo Douro, avizinhando-se os socalcos que vão conduzir ao Alto Douro.
O viajante segue, enfim, na direção oposta, enfrentando o Marão e prosseguindo a sua viagem até outras paragens.